Enquanto avanços científicos e novos tratamentos aumentam as chances de sobrevivência para pessoas com câncer, milhares de brasileiros enfrentam uma realidade desoladora: a longa espera por medicamentos contra câncer aprovados, mas ainda não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Um levantamento recente do Instituto Oncoguia revelou que 19 medicamentos oncológicos incorporados ao SUS seguem fora do alcance dos pacientes – com atrasos que variam de dois meses a inacreditáveis 11 anos.

Medicamentos contra câncer aprovados, mas inacessíveis

Entre os casos mais críticos estão o Erlotinibe e o Gefitinibe, utilizados para tratar câncer de pulmão metastático. Ambos foram aprovados pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) em 2013, e, conforme a legislação, deveriam estar disponíveis em até 180 dias. No entanto, mesmo após mais de uma década, os pacientes da rede pública ainda não conseguem acesso a esses medicamentos contra câncer essenciais.

Na média, os 19 medicamentos incorporados acumulam 717 dias de atraso. A maioria deles é voltada ao tratamento de cânceres em estágio avançado, justamente quando o tempo de resposta é crucial para a sobrevivência.

Inequidade entre a saúde pública e privada

A presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, alerta para a disparidade no tratamento entre pacientes da saúde suplementar e da rede pública. Muitos dos medicamentos com atraso já são oferecidos nos hospitais particulares, o que contribui para uma diferença significativa nas taxas de sobrevivência. “Pacientes do SUS vivem menos. Os mesmos medicamentos contra câncer que salvam vidas na rede privada ainda não estão disponíveis na pública”, afirma.

Inibidores de ciclina: três anos de espera no tratamento do câncer de mama

Outro exemplo preocupante é o atraso na oferta dos inibidores de ciclina, incorporados em 2021 para tratar câncer de mama metastático hormonal e HER2 positivo. Na rede pública, a hormonioterapia ainda é a única opção disponível, mesmo que a combinação com os inibidores tenha mostrado maior eficácia no controle da doença.

A oncologista Angélica Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), reforça que todos esses medicamentos passaram por avaliação de custo-efetividade. “A responsabilidade agora é garantir o acesso aos pacientes”, pontua.

Problemas na estrutura de compras de medicamentos contra câncer do SUS

Um dos entraves para a disponibilização dos medicamentos está na forma como são adquiridos. Diferente de programas como o de vacinação, onde a compra é centralizada, na oncologia as aquisições costumam ser descentralizadas. Isso significa que cada unidade de saúde negocia separadamente, o que reduz o poder de barganha do governo e gera atrasos na entrega.

Especialistas apontam que a ampliação da compra centralizada poderia trazer mais eficiência, economia e agilidade. “O governo tem carta na manga: pode negociar com a indústria usando seu poder de compra. Mas o que de fato está sendo feito?”, questiona Holtz.

Judicialização e o custo da inação

A demora no acesso faz com que muitos pacientes recorram à Justiça para obter os medicamentos – um processo custoso e exaustivo. Segundo levantamento do Ipea, em 2023, 33% dos gastos dos estados com medicamentos foram motivados por decisões judiciais. Ou seja, além do sofrimento dos pacientes, a falta de planejamento gera também desperdício de recursos públicos.

Pesquisa clínica: alternativa real para pacientes em espera

Diante do cenário crítico da demora no acesso a medicamentos pelo SUS, a pesquisa clínica surge como uma alternativa concreta e promissora para pacientes oncológicos. Ensaios clínicos oferecem acesso gratuito a tratamentos de ponta, muitos deles ainda em fase de aprovação, mas que já demonstram grande potencial de eficácia.

Pacientes que participam desses estudos têm acompanhamento multidisciplinar rigoroso, acesso a medicamentos de última geração e, muitas vezes, qualidade de vida ampliada durante o tratamento. Além disso, colaborar com a pesquisa clínica é também contribuir para o avanço da ciência e para que esses medicamentos cheguem mais rapidamente a toda a população.

No entanto, a participação ainda é limitada por falta de informação e barreiras burocráticas. É fundamental que políticas públicas incentivem a integração entre o SUS e centros de pesquisa, para ampliar o alcance dessa possibilidade e garantir que mais pacientes tenham acesso a terapias inovadoras enquanto enfrentam os desafios impostos pela demora do sistema.

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